21.07.2025

Direito não se aplica por decalque: do (mau) uso da Súmula 609 do STJ

 

Civil

Lembro, como se fosse hoje, da aula da graduação em que meu professor de processo civil, Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, atual presidente do TRF-2, falou sobre as súmulas.

Naquela aula, aprendi que a edição de súmulas visa a garantir a segurança jurídica, a previsibilidade das decisões, bem como a uniformização da jurisprudência. As súmulas evitam decisões contraditórias sobre o mesmo tema, dão celeridade ao julgamento de casos semelhantes, indicam como os tribunais superiores vêm decidindo e ainda servem para reduzir o número de recursos, eis que evidenciam teses já pacificadas.

Também aprendi que a súmula é muito mais do que o enunciado (ou verbete) que a representa: é o conjunto estruturado dos diversos julgados com entendimento repetido e uniforme, da fundamentação jurídica comum entre esses julgados, do processo formal de consolidação da jurisprudência por um tribunal e, por fim, do enunciado que expressa essa síntese. É por isso que, ao se referir à síntese da súmula, é preciso o cuidado de fazer essa diferenciação, deixando-se claro que se está a falar do enunciado ou verbete da súmula tal.

 

Enunciado é apenas parte da súmula

A compreensão de que o enunciado é apenas uma parte da súmula é essencial para evitar a má aplicação desta. A aplicação de uma súmula a um caso concreto considerando apenas seu enunciado, isto é, ignorando todos os precedentes que deram origem àquele entendimento sumulado, pode levar a erros graves de subsunção.

Um bom exemplo disso é a equivocada aplicação da Súmula 609 do STJ, com base apenas em seu enunciado que juízes e tribunais têm feito. O verbete da referida súmula preconiza que: “[A] recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.”

Em casos concretos nos quais não realizados exames prévios, juízes e tribunais vêm, indiscriminadamente, fazendo a subsunção da Súmula 609 do STJ aos fatos sob julgamento, desconsiderando que há outras formas de descobrir preexistências e que a prova da má-fé também torna lícita a recusa da cobertura.

 

Cobertura de seguradoras

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a leitura dos julgados que compõem a súmula em comento [1] permite concluir que intenção do STJ era impedir que as seguradoras aceitassem contratos sem aferir anteriormente sobre preexistências (seja pela via de declarações, atestados ou exames médicos) e, depois, usassem tais preexistências para negar coberturas. A ratio decidendi desses julgados é, portanto, a proteção do consumidor de boa-fé.

Em casos nos quais o segurado foi claramente questionado sobre doenças preexistentes, sabia da moléstia e optou por omitir, no momento da contração do seguro, sua condição de saúde (como, por exemplo, quando a seguradora fornece declaração pessoal de saúde a ser preenchida no momento da contratação), a Súmula 609 do STJ não tem incidência.

O exame prévio é apenas uma das formas de aferir a preexistência, não sendo a única. Se o segurado conhecia sua condição de saúde, mas, questionado, escolhe, deliberadamente, omiti-la no momento da contratação, age de má-fé, não tendo direito à proteção que o STJ visou conceder ao indivíduo de boa-fé.

 

Questionamento do segurado

O STJ nunca exigiu que a seguradora realizasse exame prévio para se resguardar. O que se exige é que o segurado seja questionado, de forma clara e objetiva, no momento da contratação sobre sua condição de saúde.

Em exemplo disso é o que restou reconhecido no julgamento do AgInt no AREsp   868485/RS, que compõe a súmula em comento, no sentido de que, se o segurado omitiu intencionalmente a existência de doença preexistente ao declarar estar em plena saúde na proposta de seguro firmada, é lícita a negativa da cobertura securitária.

Assim, no caso concreto, basta a seguradora provar que, no momento da contratação, oportunizou que o segurado informasse eventuais preexistências, mas este escolheu não o fazer.

 

Aplicação equivocada de súmula

A equivocada aplicação da Súmula 609 do STJ, que se dá quando considerado apenas o enunciado que a expressa, é apenas um exemplo de como a inobservância da real extensão de uma súmula pode ser prejudicial (aqui, acaba-se por proteger quem, na verdade, agiu de má-fé).

É preciso lembrar que o direito não se aplica por decalque: a tarefa da subsunção de uma súmula a um caso concreto exige estudo, análise do contexto, fidelidade aos precedentes e prudência hermenêutica. As súmulas não dispensam o operador do direito de pensar. Pelo contrário, exigem dele o compromisso de compreender antes de aplicar.

[1] AgInt no AREsp   868485/RS; AgInt no AREsp   767967/RS; AgInt no REsp  1280544/PR; AgRg no REsp  1359184/SP; AgInt no AREsp   826988/MT; AgRg no REsp  1299589/SP; AgRg no AREsp   353692/DF; AgRg no AREsp   330295/RS; AgRg no AREsp   429295/RJ; EDcl no AREsp   237692/SC; AgRg no AREsp   177250/MT; REsp 1230233/MG.

Fonte:

CONJUR - Érika Thomaka da Silva
DIREITO EMPRESARIAL - KRAS BORGES E DUARTE ADVOGADOS - KRAS BORGES & DUARTE ADVOGADOS


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